segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Cada caso é um caso - Das cartas de São Paulo ao eLearning

A tecnologia dá o tom e cria a música, enquanto a pedagogia define os movimentos - Anderson & Dron (2011)

Tudo depende do perfil do aluno, da habilidade do professor e da tecnologia disponível.


Apesar de muitos acharem que a Educação a Distância (EAD) é uma “nova” forma de ensino-aprendizagem, estudos apontam que a EAD começou com as cartas enviadas por São Paulo aos cristão dispersos pela Grécia no século II a.C. perpetuando, assim, os ensinamentos que se constituem como a base do cristianismo.


Muita coisa mudou de lá para cá, ainda bem.... porém alguns conceitos e características permanecem. A EAD é caracterizada, principalmente, como uma forma de ensino-aprendizagem na qual o professor e aluno não dividem o mesmo espaço físico e temporal. Leia o conceito de Educação a Distância segundo Moran (2002): "educação a distância é o processo de ensino-aprendizagem, mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente. É ensino/aprendizagem onde professores e alunos não estão normalmente juntos, fisicamente, mas podem estar conectados, interligados por tecnologias, principalmente as telemáticas, como a Internet. Mas também podem ser utilizados o correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o CD-ROM, o telefone, o fax e tecnologias semelhantes.”


Independente do meio que é utilizado para chegar até o aluno, se correspondência ou recursos online, o objetivo da educação, seja presencial ou a distância, é a transformação do aluno , o desenvolvimento de de suas potencialidades e, como consequencia, a evolução da sociedade. Quando falamos em educação não tem como deixar as teorias que nos auxiliam na compreensão do processo de aprendizagem.

Como estamos falando de educação a distância, vou considerar a análise de Anderson e Terry (2011) sobre as três gerações da pedagogia de educação a distância, que relaciona as teorias de aprendizagem com as tecnologias, para nortear o presente post.

Nota-se que a pedagogia de educação a distância acompanhou as tecnologias com base no envio. A primeira geração de EAD foi por correspondência, a segunda definida pelos meios de comunicação em massa (como rádio e televisão) e a terceira, já considera as tecnologias interativas (áudio, texto, vídeo, web , etc.).

Vale destacar que nenhum pedagogia substitui a outra, muito pelo contrário, as gerações abrem um repertório de opções tanto para os profisionais de EAD como para os alunos que optam por este modelo de estudo.

Primeira geração EAD – Cognitivismo e behaviorista

A pedagogia cognitiva inclui as teorias que encaram a aprendizagem como um processo de construção de conhecimento pelos processos mentais utilizados para essa construção, tais como, o armazenamento, a compreensão e a transformação. A pedagogia tem como preocupação principal o desenvolvimento de meios para inserir o conhecimento, que é construído individualmente pela adaptação e organização, na memória do sujeito e, assim, garantir a aprendizagem. Seus principais representantes são: Jerome Bruner (1915-), Jean Piaget (1896-1980), David Ausubel (1918-2008).

Já o behaviorismo inclui as teorias que consideram a aprendizagem como o resultado de uma relação funcional entre ambiente e comportamento, na qual o sujeito é passivo neste processo e que deverá apresentar as respostas corretas, sem levar em consideração o que ocorre em sua mente durante o processo de aprendizagem, ou seja, é um mero reprodutor de tarefas e informação. A aprendizagem é uma mudança de comportamento observável. Seus principais representantes são: Ivan Pavlov (1849-1936), John Watson (1878-1958), Edward Thorndike (1874-1949), Burrhus Frederic Skinner (1904-1990).

Os modelos de educação a distância desenvolvidos com base no cognitivismo e no behaviorismo encaravam a aprendizagem como um processo individual, somadas às limitações tecnológicas de comunicação, levaram ao desenvolvimento de projetos educacionais em que o isolamento e a ausência da presença social prevaleciam como, por exemplo, os programas de instrução assistida por computador e programas estruturados com objetivos claramente definidos com posterior confirmação dos novos conhecimentos.

Apesar de maior liberdade do aluno no processo de ensino-aprendizagem, a “industrialização”do ensino (com esses modelos era possível atingir um número muito maior de alunos com custos mais baixos do que a educação presencial) e o estilo de escrita dialógica para garantir a “presença”do professor ao longo do processo de ensino-aprendizagem, muitos pesquisadores criticavam o empobrecimento do processo de aprendizagem a partir do momento que não proporcionam o aprender a ser e focam no aprender a fazer.

Segunda geração EAD - Construtivismo social

A pedagogia do construtivismo social englobam as teorias que definem a aprendizagem como um processo de incorporação de novos conhecimentos a experiência do indivíduo, processo que ocorre principalmente pela mediação. A cultura faz parte do processo de aprendizagem e o sujeito participa ativamente desse processo. Seus principais representantes são: Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934) e Paulo Freire (1921-1997).

A pedagogia sócio-construtivista, talvez não concidentemente, desenvolve-se em conjunto com as tecnologias de comunicação bidirecional. Michael Moore desenvolveu a Teoria da Distância Transacional na qual observou a capacidade de interação flexível, “a função transacional é determinada pela medida em que docentes e discentes podem interagir (dialogue) simultaneamente, porém ela é influenciada pela medida em que o caminho a ser seguido no estudo está prefixado (structure) por meio de programas de ensino preparados” (Peters, 2001).

Na verdade, a pedagogia sócio-construtivista só começa a ganhar força quando as tecnologias de comunicação de muitos para muitos tornou-se possível como, por exemplo, e-mail, lista de discussão e fórum. Segundo os autores Anderson e Terry (2011), a possibilidade de interação entre aluno-aluno e aluno-professor construíram uma nova era “pós industrial”da educação a distância que proporciona a interacão síncrona e assíncrona ao longo do processo de aprendizagem, sendo que a interação de qualidade é considerada como um componente crítico. Outro desafio é a avaliação que deve ser realizada na construção do conhecimento e não como resultado de de um comportamento observável, como no modelo behaviorista.

Terceira geração EAD - Conectivismo

O Conectivismo é uma proposta teórica para entender a aprendizagem na era digital. De acordo com Stephen Downes (2007), no conectivismo, a ideia é que o conhecimento está distribuído por uma rede de conexões e a aprendizagem consiste na capacidade que cada um tem em circular por essas redes. Nas palavras de Siemens (2004), o Conectivismo é: “a integração de princípios explorados pelo caos, rede, e teorias da complexidade e auto-organização. A aprendizagem é um processo que ocorre dentro de ambientes nebulosos onde os elementos centrais estão em mudança – não inteiramente sob o controle das pessoas. A aprendizagem (definida como conhecimento acionável) pode residir fora de nós mesmos (dentro de uma organização ou base de dados), é focada em conectar conjuntos de informações especializados, e as conexões que nos capacitam a aprender mais são mais importantes que nosso estado atual de conhecimento” (Siemens, 2004).

Parece que o aluno não quer mais como entrega o conhecimento sistematizado e estruturado, ele quer fazer parte do processo de construção. Ele não quer somente ler uma carta, ele quer escrever as cartas que serão distribuídas pelo mundo através da rede. As facilidades da Web 2.0 possibilitam a participação mais ativa não só no próprio aprendizado mas também na construção de uma sociedade.

Nota-se que o significado da aprendizagem continua o mesmo, adquirir conhecimento e desenvolver habilidades, porém o processo de produção e aquisição sofreu mudanças com o avanço das tecnologias de informação e comunicação.

A aprendizagem não pode ser mais considerada como uma experiência que ocorre em ambientes controlados, é preciso entendê-la em uma sociedade em rede. A aprendizagem não é uma experiência isolada, como a leitura de uma carta, e sim uma oportunidade de troca, compartilhamento e produção conjunta com várias pessoas do mundo que convergem o seu interesse para um ponto comum. Esse contexto cujo modelo educacional não presencial suportado por tecnologia de comunicação e informação que podemos entender como eLearning.

Neste contexto que surgem novas propostas para entender a aprendizagem, como o Conectivismo, teoria que considera o conhecimento como algo distribuído por uma rede de conexões na qual a aprendizagem é entendida como a capacidade das pessoas em circular por essas redes.

Se por um lado, os novos arranjos da sociedade em rede obrigam pesquisadores e estudiosos a buscarem novas teorias para entender a aprendizagem, esta mesma sociedade exige cada vez mais dos alunos o desenvolvimento de habilidades condizentes com as transformações tecnológicas. Além de habilidades tecnológicas para lidar com todo esse aparato, observa-se que o aluno precisa assumir uma postura mais ativa diante do seu aprendizado, desenvolvendo uma cultura de aprendizagem permanente, além de uma maior disciplina e auto-organização.

Vale salientar que o eLearning (modelo educacional suportado pelas tecnologias de comunicação e informação) não pode ser considerado para a realidade de todos os países. De acordo com estudos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estaística), divulgado no site Paises@, o número de usuário com acesso a internet é bem diferente entre os países do mundo. Dependendo da localização, é melhor adotar o modelo “Cartas de São Paulo” (primeira geração EAD), como é o caso dos países da África cujo a quantidade de usuários com acesso a Internet é menor que 30 para cada 100 habitante, do que o eLearning (terceira geração EAD).

Como bem lembrou Anderson (2011), a alta qualidade de educação a distância explora as teorias de aprendizagem de acordo com o conteúdo de aprendizagem, contexto,tecnologias e as expectativas de aprendizagem, ou seja, cada caso é um caso, sendo que as gerações de EAD apresentam suas vantagens e desvantagens para cada tipo de público-alvo.

Referências bibliográficas

Anderson, Terry & Dron, Jon (2011). Three generations of distance education pedagogy. IRRODL. Disponível em: http://www.irrodl.org/index.php/irrodl/article/view/890. Acessado em 10/10/2011.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Países@. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php. Acessado em 11/10/2011.
Moran, J (2002). O que é educação a distância. Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/dist.htm. Acessado em 16/10/2011.

LIMA, A. Tecnologia: Conceitos fundamentais e teorias. In: Fundamentos e práticas na EAD. Secretaria de Educação a Distância – SEDIS. Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Material em meio digital. S/D. Disponível em: http://ead.ifrj.edu.br/moodle_np/file.php/1/Curso_Tecnico_em_Servicos_Publicos/1o_Trimestre/Edcuacao_A_Distancia/educacao_a_distancia_03.pdf. Acessado em: 15/10/2011.

PETERS, Otto (2001), Didática do ensino a distância: Experiências e estágio da discussão numa visão internacional, Tradução Ilson Kayser, São Leopoldo, RS, Editora Unisinos.

Siemens, George (12-12-2004). Connectivism: A Learning Theory for the Digital Age. elearnspace. Disponível em: http://www.elearnspace.org/Articles/connectivism.htm. Acessado em 14/10/2011.

2 comentários:

  1. Olá Rita,
    tudo é muito bonito em uma realidade onde temos uma gama imensa de recursos tecnológicos a nosso dispor. Tudo fica facilitado. Você relembra muito bem, em seu post, de outras realidades, onde muitas localidades não tem acesso a tecnologia. Será justo ignorar o que já existiu (correio, rádio,... ) e não servir a comunidades menos favorecidas? Penso que não.
    Como sempre uma excelente reflexão, parabéns!
    Bjs
    Débora.

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  2. Obrigada, Débora, pelo seu feedback.
    Abs,

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